loading . . . Ascensão de Sanae Takaichi, primeira mulher a governar o Japão moderno, confirma guinada ainda mais conservadora do país “De agora em diante, pelo bem da nação e de seu povo, trabalharemos com ousadia e com todas as nossas forças, sem medo de mudanças, estou determinada a nunca desistir para criar um Japão forte”, declarou Sanae Takaichi, após ser confirmada como a primeira mulher a comandar o país asiático em tempos modernos. Sua chegada ao poder confirmou uma guinada ainda mais à direita em um país conservador, com impactos na economia, diplomacia e questões de gênero.
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Takaichi se define como “workaholic”, que na juventude pegava seis horas de condução para estudar em Kobe — ela vivia em Nara, uma antiga capital imperial japonesa — e que sempre preferiu ficar em casa. Depois de formada, trabalhou como interna para a deputada democrata Pat Schroeder, nos EUA, e como comentarista em uma TV. Nesta época, ficou marcada por suas matérias pilotando motos (ela vendeu sua Kawasaki Z400GP após ser eleita para o Parlamento) e falando de heavy metal: até hoje “desconta” seu estresse em uma bateria eletrônica, que sempre leva consigo.
Em um dos países com a maior desigualdade de gênero, Takaichi foi eleita pela primeira vez em 1993, como deputada por Nara, e escolheu o caminho de posições caras aos parlamentares homens para avançar no Partido Liberal Democrata (PLD) e postos no governo. Não raro é chamada de “Dama de Ferro japonesa”, referência à premier britânica Margaret Thatcher.
— Quero ser como ela — afirmou há alguns anos.
Então primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, ao lado de sua assessora política Sanae Takaichi, em discurso em Tóquio
Yoshikazu TSUNO/AFP PHOTO
Talvez esse seja o primeiro dos muitos paradoxos da nova premier. Ao contrário da austeridade thatcherista, Takaichi bebe da fonte da “Abenomics”, a política elaborada pelo ex-premier Shinzo Abe, marcada por incentivos fiscais e baixas taxas de juros. Mas, como apontam analistas, as condições de hoje são diferentes de quando Abe comandava o país: há três anos, a inflação está acima da meta do Banco do Japão, de 2% anuais, e o iene desvalorizado, um dos “efeitos” da Abenomics, é extremamente impopular.
No ano passado, ela disse que o aumento dos juros era uma “ideia estúpida”, algo que repetiu nesta terça-feira em Tóquio, mas um de seus parceiros na coalizão, o Partido da Inovação (Ishin) quer cortes de gastos públicos, e há setores no PLD que também defendem a austeridade.
— Espero que o Banco do Japão conduza uma política monetária adequada, levando em consideração a situação econômica, de preços e financeira, para que a meta de estabilidade de preços de 2% possa ser alcançada de forma sustentável e estável, juntamente com aumentos salariais — disse na entrevista coletiva, sem se referir a possíveis atritos no futuro governo.
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Takaichi não espelha Abe apenas na economia. Integrante do grupo nacionalista Nippon Kaigi, do qual o ex-premier, assassinado em 2022, também fazia parte, ela é favorável à revisão da Constituição pacifista japonesa, em especial do Artigo 9, que trata da renúncia à guerra e ao estabelecimento de Forças Armadas — desde 1954, o Japão mantém Forças de Autodefesa, apoiadas por aliados ocidentais.
Em 2021, quando tentava chegar ao comando do PLD, defendia a elevação dos gastos com Defesa para 2% do PIB (o que deve acontecer até 2027) e dizia ser “absolutamente necessário” posicionar mísseis balísticos americanos em solo japonês. Tal como Abe, é favorável ao debate sobre a presença de ogivas nucleares dos EUA no Japão, tema que encontra crescente apoio na sociedade local, diante da percepção de ameaças vindas da China e da Coreia do Norte.
A expectativa é de que Takaichi busque o alinhamento com os EUA de Donald Trump, embora no passado tenha questionado a “dependência” de Washington. Suas posições radicais sobre a China talvez precisem ser amenizadas para evitar novas tensões — ela é uma visitante recorrente do santuário Yasukuni, construído aos mortos em conflitos e que ostenta os nomes de alguns criminosos de guerra, o que incomoda Pequim e também as duas Coreias.
Na entrevista coletiva, confirmou que Trump deve fazer uma visita oficial ao Japão na semana que vem, e que irá à cúpula do fórum da Apec, a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, na Coreia do Sul. Em mensagem enviada nesta terça, o presidente sul-coreano, Lee Jae-myung, disse que “a importância das relações entre a Coreia e o Japão também é maior do que nunca”.
Políticos japoneses visitam o santuário Yasukuni
Yuichi YAMAZAKI / AFP
Além da economia, outros dois grandes paradoxos estão na política interna. Ela reflete uma posição anti-imigração crescente na sociedade japonesa, e que encontrou no nacionalista Sanseito um porto seguro nas últimas eleições legislativas, em agosto.
Com a reabertura do país após a pandemia da Covid-19, o número de turistas externos disparou, chegando a 50 milhões em 2024, assim como a quantidade de estrangeiros residentes, 3,7 milhões. Para muitos japoneses, esse fluxo é uma das razões dos problemas econômicos, e Takaichi prometeu ampliar a fiscalização sobre imigrantes e pessoas que tentam burlar as regras de vistos, postura mais dura do que a de seus colegas do PLD — o ex-premier Kishida Fumio a apelidou de “Takaichi Talibã” por suas ideias consideradas radicais.
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Contudo, com uma população cada vez mais envelhecida e com baixas taxas de natalidade, analistas apontam que o Japão precisa de mais imigrantes. Um estudo da Agência de Cooperação Internacional do país estima que serão necessários 6,7 milhões de trabalhadores estrangeiros para evitar que setores cruciais, como a pesca e a agricultura, entrem em colapso.
E há o maior paradoxo do governo Takaichi: a agenda de gênero. Apesar de ter comandado a pauta responsável por ações destinadas a reduzir a desigualdade entre homens e mulheres, sempre foi uma ferrenha defensora de valores tradicionais. Ela é contrária à presença de mulheres na linha de sucessão ao trono imperial e defensora de uma política do século XIX que obriga homens e mulheres casados a terem o mesmo sobrenome. Em uma ironia, ao se casar com o deputado Taku Takaichi, quem mudou o nome foi seu marido — a legislação não estipula qual sobrenome deve ser adotado pelo casal. Em mais de uma ocasião, criticou a discriminação contra a população LGBT+, mas é contra a união formal entre pessoas do mesmo sexo.
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Recentemente, em uma tentativa para amenizar a imagem de “durona”, defendeu deduções fiscais para gastos com creches, além de incentivos fiscais para empresas que ofereçam esses serviços nos locais de trabalho. Mas ao menos uma promessa parece ter sido descumprida: antes da posse, sugeriu que adotaria um critério similar ao de países nórdicos na escolha do Gabinete, ou seja, metade homens, metade mulheres. Nesta terça, confirmou apenas duas ministras — Satsuki Katayama, das Finanças, e Kimi Onoda, de Segurança Econômica — em um total de 19 pastas.
— Houve alguns relatos de que haveria seis mulheres no Gabinete, mas acredito na igualdade de oportunidades — justificou na entrevista coletiva. — Formei o Gabinete com a ideia de que todos participassem e unissem os esforços de todas as gerações, e coloquei as pessoas certas nos cargos certos para que possamos levar todas as políticas adiante para o povo, mesmo que seja apenas um ou dois passos de cada vez. https://sem-paywall.com/http%3A%2F%2Fdlvr.it%2FTNpkrC