loading . . . Nolan Williams, que criou técnica de estimulação cerebral para tratar depressão, morre aos 43 anos O neurocientista Nolan Williams morreu em 18 de outubro em sua casa no Norte da Califórnia, Estados Unidos, aos 43 anos, contou sua esposa, Kristin Raj. O cientista inovador ficou conhecido por ter desenvolvido uma técnica de estimulação cerebral não invasiva que se diferenciou por proporcionar um alívio rápido a pessoas com depressão resistente ao tratamento.
Saiba qual: Consumir um dos 'alimentos mais saudáveis do planeta' pode fazer você viver mais
A ciência da perda de peso: Por que nosso cérebro é programado para nos manter gordos?
Segundo Kristin, Williams morreu por suicídio. De acordo com dois de seus colegas, o neurocientista sofria com depressão.
O pesquisador foi contratado pelo departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, nos EUA, em 2014. Pouco depois, iniciou o Brain Stimulation Lab (Laboratório de Estimulação Cerebral, em português), onde se concentrou em encontrar abordagens de ação rápida para tratar disfunções subjacentes a doenças psiquiátricas, como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Além de estimular o cérebro para lidar com a depressão, ele liderou estudos com veteranos das Operações Especiais americanas que apresentavam sintomas de TEPT e lesão cerebral traumática — entre eles raiva, depressão, ansiedade e insônia — e que haviam sido tratados no México com a droga psicodélica ibogaína, ilegal nos EUA.
Consumo de álcool: 64% dos brasileiros não beberam bebida em 2025, uma taxa inédita; veja novo levantamento no país
A organização sem fins lucrativos Veterans Exploring Treatment Solutions (Veteranos Explorando Soluções de Tratamento, em português), que colaborou com Williams no estudo sobre a ibogaína, disse em comunicado após sua morte que a pesquisa do cientista “demonstrou o que esses veteranos corajosamente acreditavam: que a cura era possível, que seu sofrimento importava e que a ciência podia encontrá-los em sua hora mais sombria”.
O fascínio de Williams pelos circuitos cerebrais surgiu ainda quando ele era estudante na Universidade Médica da Carolina do Sul. Lá, ele aprendeu sobre a estimulação cerebral para aliviar casos de depressão que a terapia e os medicamentos não conseguiam tratar.
Ele passou a desenvolver sua própria técnica de estimulação, uma terapia de alta tecnologia e ação rápida — chamada SAINT, sigla para Stanford Accelerated Intelligent Neuromodulation Therapy (Terapia Neuromoduladora Inteligente Acelerada de Stanford, em português) — que tem como alvo a área do cérebro onde a depressão se origina.
Do pico de energia à ida ao banheiro: O que o café faz dentro do seu corpo minuto a minuto
Em estudos clínicos com cerca de 400 pessoas, realizados por Stanford e pela Magnus Medical, empresa que licenciou a tecnologia, cerca de 80% dos voluntários tiveram remissão da depressão.
— Encontramos um ponto para estimular o cérebro e fazê-lo deixar de ser suicida, deixar de estar deprimido — contou Williams neste ano em entrevista ao programa CBS Sunday Morning.
A depressão é a principal causa de incapacidade no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). É tratada de várias formas, como com terapia, medicamentos e tratamentos não invasivos que usam correntes elétricas ou campos magnéticos no cérebro, caso da eletroconvulsoterapia e da estimulação magnética transcraniana (EMT).
O SAINT é uma técnica que utiliza um aparelho de ressonância magnética para localizar uma região no córtex pré-frontal do cérebro, responsável pela depressão. Em seguida, um dispositivo estimulador, com uma bobina eletromagnética dentro dele, é colocado no couro cabeludo. Quando a corrente elétrica é aplicada, a bobina produz um campo magnético que estimula os neurônios com pulsos rápidos e intermitentes no ponto alvo.
O psiquiatra e ex-diretor de inovação do Brain Stimulation Lab, Brandon Bentzley, transformou o conceito em realidade tecnológica. Com Williams como parceiro, ajudou a fundar a Magnus, que até agora vendeu o estimulador e seus serviços para 15 clínicas nos EUA.
— Vimos pessoas que tiveram depressões debilitantes por muitas décadas e, de repente, não estão mais deprimidas — afirma Bentzley, acrescentando que a remissão às vezes depende de o paciente receber apoio terapêutico:
— Eles podem ter recaídas em alguns meses, mas podemos tratá-los novamente.
A estimulação é aplicada ao longo de cinco dias, em 10 sessões diárias de 10 minutos: um regime com mais estimulação em menos tempo do que outros tratamentos semelhantes.
No primeiro grande estudo do SAINT, publicado em 2021 na revista científica American Journal of Psychiatry, 14 de 29 pessoas receberam o tratamento. Ao todo, 11 das 14 (78,6%) tiveram remissão em até quatro semanas. Algumas precisaram de apenas cinco dias. Em média, as pessoas se sentiram melhor em 2,6 dias.
— Os efeitos do SAINT parecem muito promissores para pessoas com depressão resistente ao tratamento, mas é necessário mais trabalho para verificá-los. Precisamos entender melhor quão duradouros são os efeitos e como estendê-los por um período mais longo — diz Mouhsin Shafi, professor associado de neurologia no Centro Médico Beth Israel Deaconess e diretor do Centro para Estimulação Cerebral não invasiva Berenson-Allen, ambos em Boston.
A Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de medicamentos americana, aprovou o SAINT para tratamento psiquiátrico em 2022. O Medicare, sistema público de seguro de saúde dos EUA destinado a idosos com 65 anos ou mais e a algumas pessoas com deficiência, cobre o procedimento em hospitais. Alguns planos de saúde também o cobrem em clínicas particulares. O custo de um regime de uma semana pode variar de US$ 18 mil a US$ 36 mil (cerca de R$ 95,3 mil a R$ 190,7 mil, na cotação atual).
Os efeitos colaterais incluem dores de cabeça e dor passageira no local da estimulação durante o tratamento.
Nolan Williams, neurocientista que criou técnica de estimulação cerebral para tratar a depressão, morre aos 43 anos.
Arquivo Pessoal via The New York Times
Interesse pelo cérebro
O pai do neurocientista, fã de beisebol, o nomeou de Nolan Ryan Williams em homenagem ao arremessador do Hall da Fama Nolan Ryan. O pesquisador nasceu em 25 de junho de 1982, em Bamberg, Carolina do Sul, e cresceu em Charleston, no mesmo estado. Seu pai, Bryan, era pescador e carpinteiro. Sua mãe, Ann (Hewitt) Williams, dirigia uma creche e depois trabalhou como fornecedora de bufê.
Williams, que conquistou uma faixa preta em taekwondo aos 18 anos e era um hábil praticante de kitesurfe, obteve o diploma de bacharel em biologia molecular pelo College of Charleston em 2003.
Após receber seu diploma de medicina pela Universidade Médica da Carolina do Sul, em 2008, permaneceu lá para fazer residências em neurologia e psiquiatria, além de bolsas em neuromodulação clínica e neurociência humana com Mark George, neurologista e psiquiatra que dirige o laboratório de estimulação cerebral da universidade.
— Nolan começou a trabalhar no laboratório quando ainda era um estudante de graduação e era enormemente curioso. E, quando estava na faculdade de medicina, ele vinha depois da aula ou nos fins de semana e verões para fazer pesquisa. Ele sempre fazia perguntas do tipo ‘por quê?’ e já imaginava o próximo passo, ou dois, ou três — diz George, pioneiro no tratamento da depressão com EMT.
George lembrou que Williams lhe disse, ainda durante a residência, que queria combinar três etapas ambiciosas — cada uma delas já estudada individualmente — para criar o que se tornaria o SAINT.
— Eu disse: ‘Nolan, não te ensinei nada? Na ciência, faz-se uma coisa de cada vez’, mas ele respondeu: ‘Quero que avancemos’ — recorda George.
O primeiro passo de Williams foi acelerar muito o ritmo dos pulsos magnéticos e condensar o tempo do tratamento. O segundo foi usar a ressonância magnética para localizar com precisão o ponto do cérebro a ser estimulado. E o terceiro foi usar a própria ressonância para medir a atrofia cerebral e ajustar a intensidade da estimulação conforme isso.
— O que ele fez foi transformador — avalia George.
Psicodélicos
O interesse de Williams na reação do cérebro à ibogaína levou a uma colaboração com a VETS, que ajuda veteranos a ter acesso a psicodélicos para tratar lesões cerebrais traumáticas. Um de seus fundadores, Marcus Capone, ex-integrante dos Navy SEALs, tomou ibogaína pela primeira vez em 2017 e teve uma recuperação notável.
Sua esposa, Amber Capone, que fundou a VETS com o marido, lembrou o alívio que sentiu ao conhecer Williams em 2018, depois de ser rejeitada por médicos, pesquisadores e líderes militares quando buscava ajuda para validar o impacto da ibogaína em veteranos.
— Eu vinha tentando desesperadamente conseguir que alguém me ouvisse. Nolan foi a primeira pessoa a ouvir e me levar a sério — diz.
Williams desenhou um estudo no qual 30 veteranos das Operações Especiais dos EUA foram testados e avaliados antes e depois de serem tratados em uma clínica de ibogaína no México, de 2021 a 2022. A ibogaína é um alcaloide derivado da casca do arbusto africano iboga.
O primeiro de dois estudos, publicado em 2024 na revista científica Nature Medicine, mostrou que, um mês após o tratamento, 83% dos veteranos haviam alcançado remissão do TEPT; 73% remissão da depressão e 86% remissão da ansiedade.
— Esses são os efeitos de droga mais dramáticos que já registrei em um estudo observacional. Mas, sem uma autorização da FDA para conduzir estudos, simplesmente não é possível fazer os ensaios randomizados que são o padrão-ouro dos estudos clínicos — disse Williams ao The New York Times em 2024.
Além da esposa, uma professora clínica de Psiquiatria e Ciências do Comportamento em Stanford que trata pacientes com o SAINT, Williams deixa a mãe, uma filha, Autumn, um filho, Hendrix, e um irmão, Kyle.
George, que trabalhou com o cientista, disse que sabia da depressão de Williams e o incentivou a buscar ajuda, mas não tinha certeza se ele havia sido tratado com o SAINT:
— Fico me perguntando se, em algum lugar dentro dele, ele ainda guardava algum estigma sobre a depressão. Mas esses tratamentos de estimulação cerebral combatem o estigma. https://sem-paywall.com/http%3A%2F%2Fdlvr.it%2FTPDWDv