loading . . . Capital da COP30, Belém já vive o futuro de altas temperaturas que o mundo tenta evitar Belém, sede da primeira COP na Amazônia, enfrenta há duas décadas temperaturas 1,5°C acima de sua média, revela um estudo recém-publicado liderado pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Esse aumento de temperatura foi o limite estabelecido pelo Acordo de Paris para a média global a fim de evitar os impactos mais severos das mudanças climáticas. A cúpula, portanto, não será apenas a da floresta, mas de uma literal imersão no caldeirão que a COP30 tem o desafio de esfriar, e ainda uma demonstração prática, à flor da pele, da falta que uma árvore faz.
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A pesquisa contou também com cientistas do Instituto Tecnológico Vale, da Universidade de São Paulo (USP); do Serviço Geológico Brasileiro; e da Universidade Federal do Amapá. Ela mostrou que temperatura da cidade ficou 1,5°C acima da média de 2005 a 2024 em comparação ao período de 1980 a 1999, na estação seca. O vento, que ajuda a amenizar o calor, também diminuiu. As noites, normalmente o período mais ameno, quando o corpo restaura a energia, estão mais quentes.
— Belém está mais quente e menos ventilada. É um exemplo inequívoco de mudança climática. Ficou mais difícil até dormir para a maioria da população, que não tem ar-condicionado — afirma o coordenador do estudo, Everaldo Barreiros, da Faculdade de Meteorologia da UFPA.
O artigo “Observational Evidence of Intensified Extreme Seasonal Climate Events in a Conurbation Area Within the Eastern Amazon” (“Evidências observacionais da intensificação de eventos climáticos sazonais extremos em uma área conurbada da Amazônia Oriental”, em tradução livre) foi publicado na revista científica “Earth”.
O presente tórrido deve ser seguido por um futuro infernal. Uma pesquisa da ONG International CarbonPlan já havia projetado que Belém será a segunda cidade mais quente do mundo em 2050, atrás somente de Pekanbaru, na Indonésia.
Nos últimos dois anos, a Terra passou o 1,5°C e já se admite que o viável é deter a elevação por volta de 2,6°C na média — parece pouco, mas é muito, pois se considera as mínimas e as máximas de todo o ano. Mas em Belém, esse aumento já tem 20 anos e acontece numa cidade naturalmente quente como de resto toda a Amazônia.
Umidade alta
A alta umidade é o ingrediente-chave para a caldeirada climática à la belenense. Ela impede que o suor evapore e aumenta a sensação de calor. Por isso, o calor úmido é a garantia da pior sensação térmica que se pode vivenciar.
Na capital do Pará, isso significa muito mais calor do que em cidades que já sediaram COPs. Mesmo a desértica Dubai, da COP23, não tem tanta exposição à sensação térmica, pois o clima seco não bloqueia o suor, a principal forma de o corpo humano dissipar o excesso de calor.
Barreiros destaca que o número de dias sob ondas de calor, com temperaturas de 3,5°C a 5°C acima da média do período, explodiu — um crescimento de 550%. Em 2016, não chegava a dez dias por ano. Em 2020, passou para cerca de 45 dias/ano. Em 2023, já estava em 65 dias anuais de onda de calor.
— Fica insuportável e tem impacto direto na qualidade de vida e na saúde da população — ressalta Barreiros.
O trabalho foi baseado em dados de estação meteorológica com série histórica consistente, o padrão ouro para esse tipo de estudo. Além disso, os pesquisadores utilizaram o banco de dados CHIRPS (Climate Hazards Group InfraRed Precipitation with Station), uma das ferramentas mais avançadas do mundo para o monitoramento da chuva. O sistema combina imagens de satélite com registros de estações meteorológicas locais, produzindo estimativas de alta resolução espacial.
Validado em diversas regiões tropicais, o CHIRPS tem se mostrado extremamente eficiente em áreas com poucos dados meteorológicos disponíveis, como a Amazônia, diz o estudo.
A pesquisa também revela que Belém é o lugar certo para experimentar extremos de precipitação. A chuva forte, tão característica da cidade, está mais concentrada em poucos dias. O que significa que aumentaram os dias sem alívio e também os episódios de tempestades extremas. Os eventos de chuva acima de 650 mm/mês passaram de 30 por ano em 1990 para atuais 40 por ano.
— Isso tem agravado muito os alagamentos, um problema crônico de Belém — afirma Camila Magalhães, diretora da Mandi, ONG que lançou com a Rede Jandyras a Agenda Climática para Belém, com o objetivo de propor políticas públicas.
O cenário climático de Belém não é exatamente a imagem que se faz mundo afora da Amazônia. Mas um choque de realidade com as desigualdades da Amazônia urbana, diz Barreiros. Só na Região Norte, que compreende a maior parte da Amazônia, 78,47% da população são urbanos.
Mudanças globais
Barreiros explica que o aumento do calor é resultado da combinação de mudanças climáticas globais com a ilha de calor urbana. A variação entre as áreas arborizadas para as sem proteção de árvores medida pelos pesquisadores da UFPA chega a ser de 5 °C. Isso porque árvores são refrigeradores naturais. Numa área arborizada, a energia do sol é absorvida em boa parte por elas. Mas, em linhas gerais, em áreas urbanas esse calor é todo usado para aquecer o ar.
Belém, que já era pouco arborizada, perdeu 20,4% de sua cobertura florestal no período de 1985 a 2023. Favelas e condomínios de luxo ocuparam o que antes eram matas, parques ou praças.
A cidade tem um baixo índice de arborização urbana (está na posição 4.465 de 5.570 do ranking de municípios brasileiros do IBGE/2022) e é uma das capitais menos arborizadas do país. Dados do IBGE mostram que somente 22,4% da área do município são arborizados, e apenas 45,5% das ruas têm pelo menos uma árvore, um índice abaixo da média nacional, de 66%.
Isso significa que a maior parte dos domicílios fica em ruas sem árvores e expostas à inclemência do sol equatorial, casos de bairros superpopulosos e carentes, como Guamá e Terra Firme.
O Painel Climático da Região Metropolitana de Belém, que será lançado na COP30 pelo Centro Brasileiro de Justiça Climática, mostra que o calor da capital é desigual, assim como a arborização. Os cerca de 80 mil habitantes de Guamá contam com apenas uma praça, onde há algumas dezenas de árvores junto a um canal de esgoto.
— Mas é tão quente no bairro que as pessoas acabam buscando refúgio junto ao canal de esgoto — conta o arquiteto e urbanista Thales Miranda, que estuda mudanças climáticas em cidades amazônicas.
Miranda mapeou a temperatura do solo de Belém para o painel. Ele diz que há bolsões de calor, como Guamá e Terra Firme e Jurunas, onde fica o Portal da Amazônia. Outro bolsão está na área do aeroporto.
Já os refúgios, com um pouco menos de calor, estão nas quase 40 ilhas junto à capital, como Combú, ainda coberta por florestas. Também mais amenas são as temperaturas no centro histórico, marcadamente no entorno da Avenida Nazaré, na região mais rica da cidade.
E a população mais exposta é justamente a mais vulnerável. Belém lidera o ranking nacional de população em favelas. O IBGE estima que 57,1% dos moradores vivem nessas áreas. A Vila da Barca, construída sobre palafitas e localizada próxima ao centro, é um dos exemplos mais contundentes.
A Região Norte esquenta mais que o restante do país, e Belém é a cidade com maior tendência de aquecimento, afirma Helen Gurgel, coordenadora do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde da Universidade de Brasília (UnB), que estuda o impacto do calor sobre a saúde pública:
— O calor adoece e mata. É um problema de saúde que só faz aumentar e para o qual devemos proteger a população — diz Gurgel, ressaltando que uma das formas para amenizar o “calsdeirão” é plantando árvores. https://sem-paywall.com/http%3A%2F%2Fdlvr.it%2FTP8zMl