loading . . . Liniker, Renata Carvalho e mais atrizes protestam por filme 'Geni' não escalar mulher trans para o papel: 'Vamos debater?', convida diretora Filme será inspirado na música de Chico Buarque A música "Geni e o zepelim", de Chico Buarque, vai virar filme pelas mãos da diretora Anna Muylaert (de "Que horas ela volta?"). Mas o anúncio da escolha dos protagonistas já está causando polêmica antes mesmo do início das filmagens. E não é uma jogada de pedra gratuita na Geni, como diz a canção. Isso porque Thainá Duarte foi a escolhida para interpretar a personagem título. O problema é que a atriz não é uma mulher transexual, como é dito na peça original, "Ópera do malandro", em que a música foi inserida.
"Triste em saber que o novo filme 'Geni e o zepelim', de Anna Muylaert e da Migdal Filmes, escalaram uma atriz cisgênero (pessoa em que a identidade de gênero que se identifica corresponde ao sexo biológico que nasceu) para interpretar a personagem travesti Geni — uma das personagens trans mais emblemáticas do teatro e da música brasileira. Precisamos continuar atentos e vigilantes com a prática do transfake nas produções artísticas ainda em 2025. Mesmo que a equipe esteja cheia de artistas 'progressistas', a transfobia velada e estrutural está presente. O filme já vai nascer anacrônico, bem longe do seu tempo. Triste por ser a Anna Muylaert, uma diretora que tanto admiro e acompanho a carreira. E as verdadeiras Genis continuam sendo apedrejadas nas ruas, mortas, algumas viram objeto de desejo para artistas cisgêneros representar", desabafou a atriz Renata Carvalho, no Instagram.
O texto fez ainda uma crítica a artistas cisgêneros que aceitam assumir papéis que não deveriam fazer, já que as oportunidades ainda são escassas para pessoas trans no mercado audiovisual, principalmente.
"Quando os artistas cisgêneros entenderão e vão entrar nesse acordo nacional dando uma pausa na prática do transfake pelos próximos 30 anos? E que tal durante esse tempo incluímos artistas trans nos espaços de criação e atuação artística? Precisamos naturalizar nossas presenças e identidades e a arte pode sim colaborar para ampliar e alargar o entendimento sobre as vivências trans e travestis. Representatividade é estarmos de corpo presente nos espaços de poder, e a arte - principalmente o cinema - também é um espaço de poder (...). Nós ainda estamos brigando para sermos consideradas humanas. Nós estamos vendo a onda de ataques às pessoas e aos direitos trans e travestis pelo mundo. Nós queremos parar de sermos apedrejadas, e esse filme é mais uma pedrada que recebemos", disse.
Mais artistas trans seguiram o desabafo.
"Muito triste", disse a cantora e atriz Liniker. "Não é possível. Vexatório demais", comentou Benjamin Damini. "Estou desolada e em choque", escreveu Valéria Barcellos. "Fico mais supreendida dos atores que aceitam. Já temos pouquíssimas oportunidades e as únicas que são direcionadas há nossos enredos são arrancadas de nossas mãos. Nota dó", desabafou Gabriela Loran.
Diretora abre debate e recebe novas críticas
Diante da repercussão, a cineasta Anna Muylaert usou as redes sociais para explicar que a decisão de não ter uma atriz trans no filme se deu porque a música não deixa claro de que mulher é essa retratada.
"Durante o processo de criação desse filme, a gente entendeu que a letra pode ter várias leituras. Poderia, sim, ser uma mulher trans, uma mãe solteira, uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade, que poderia ser uma floresta atacada diariamente por oportunistas. Por uma questão de escolha, decidimos fazer uma prostituta cisgênero na Amazônia, uma influência até do que acontece ali no Marajó. Por isso, optamos pela atriz Thainá Duarte", disse.
Ao mesmo tempo, a diretora disse que queria abrir a discussão para um debate, justamente para deixar claro que não estava fazendo o chamado "trans fake", que é quando uma pessoa cisgênero interpreta uma pessoa transexual.
"Diante da reação da comunidade trans, eu venho aqui abrir o debate. Essa letra do Chico, hoje, em 2025, só pode ser interpretada tendo a Geni como uma mulher trans? Porque se a sociedade, não apenas a comunidade trans, mas também todos os fãs da música do Chico chegarem a conclusão de que só pode ser assim, a gente vai repensar o filme. Na história, não vai mudar nada, porque os corpos femininos sejam cis ou trans, são corpos que estão sempre sob perigo", explicou.
Artistas trans, como a cantora Liniker, continuaram a crítica. Incluindo ainda a opção por um debate geral ser visto como um desrespeito.
"Eu acho que no Brasil que a gente vive hoje, o debate ser aberto como votação se é certo ter uma pessoa trans ou cis nesse papel ou não, já nos expõe grandemente. O Brasil não é um país acolhedor aos nossos corpos e trajetórias, principalmente se tratando de um protagonismo numa produção audiovisual. Todo respeito ao trabalho de Tainá Duarte, mas quando trazemos a reflexão em nossos textos desde que saiu essa matéria e nos posicionamos pelo apagamento, é por espaço e oportunidade que nos colocamos, por termos atrizes trans que poderiam sim dar vida a essa personagem tão icônica e já retratada tantas vezes como uma pessoa trans em montagens pelo Brasil", disse a artista.
"Anna, com todo respeito ao seu trabalho, mas a justificativa ser o 'lugar de fala' me soa um comodismo descompromissado com qualquer denúncia social e política, descompromisso com a canção e com a peça. Sem a peça, não haveria a canção. Na peça, Geni é travesti, logo não há outra leitura possível pra essa personagem. Queria entender o receio em trazer pessoas trans pra esse trabalho, em trazer pessoas que falam de um lugar diferente do seu. Todo mundo fala de algum lugar, é preciso abrir a escuta e não se render ao comodismo e pacto cisgênero de invisibilização de corpos trans", complementou Benjamin Damini.
Camila Pitanga e mais artistas cis também criticaram escolha
A decepção não veio apenas da comunidade trans. Camila Pitanga, por exemplo, que é uma mulher cisgênero, decidiu entrar no debate proposto pela diretora.
"Você pode fazer o filme que quiser, com certeza. Mas pondero que esta interpretação serve sim ao apagamento doloroso de mulheres trans. São poucos personagens com esse protagonismo, entende? É uma escolha que fere. Eu amo como filha a Thainá e amo acompanhar o trabalho e voz. Bom debate. Obs: cuidado com o argumento de liberdade de expressão, de interpretação… tem um campo inimigo que usa a beça esse léxico", disse a atriz.
Outras artistas prosseguiram, mas com ponderações.
"Anna, é uma oportunidade perdida a Geni ser uma mulher cis", escreveu Aline Fanju. "Gostei muito desse debate e achei generoso você abrir isso aqui para o publico que gosta do seu trabalho. Acho que você teria que responder por qualquer decisão que tomasse. Li todos os comentarios, concordo muito, acho que precisamos dar protagonismo para quem está invisível só por existir, mas gostaria de trazer mais uma reflexão aqui: E se a gente colocar uma travesti para apanhar de novo? Não seria reforçar uma ideia que queremos acabar? Assistiremos seu filme e que cause debate! Certamente vai fazer pensar e sentir", ponderou Katiuscia Canoro. http://dlvr.it/TKCv4j