loading . . . Israel admite ter matado civis em busca de ajuda humanitária em Gaza e diz investigar bombardeio em área de descanso Exército israelense afirma, porém, que número de vítimas divulgado pelo Hamas é ‘exagerado’; pelo menos 130 organizações de direitos humanos pedem encerramento de grupo de ajuda apoiado por Washington e Tel Aviv As Forças Armadas de Israel admitiram que civis palestinos foram mortos e feridos por disparos israelenses nas proximidades de centros de distribuição de ajuda na Faixa de Gaza, mas afirmaram que os números divulgados pelas autoridades do enclave são “exagerados”. A declaração foi feita na segunda-feira, três dias após o jornal israelense Haaretz publicar que membros do Exército judeu disseram ter recebido ordens para disparar contra multidões desarmadas próximas aos pontos da Fundação Humanitária para Gaza (GHF, na sigla em inglês), organização apoiada por Israel e pelos Estados Unidos que assumiu, há pouco mais de um mês, a entrega de alimentos e outros suprimentos essenciais no território palestino.
Contexto: Soldados israelenses relatam a jornal ter recebido ordens para atirar em civis que buscam ajuda em Gaza
Entenda: Em média, 15 palestinos foram mortos por dia em Gaza enquanto tentavam receber ajuda humanitária no último mês
O Exército também disse ter “reorganizado as rotas de acesso” aos centros da GHF, adicionando novas cercas de sinalização, além de caminhos adicionais para os pontos de distribuição de ajuda. A instituição afirmou, ainda, que as tropas em solo só usaram munição real nos casos em que houve “ameaça direta”, inclusive em situações em que dezenas de suspeitos se aproximaram das forças fora das rotas designadas para os centros de ajuda — ou fora do horário de funcionamento. Nesses casos, disse, um número pequeno de pessoas foi atingido pelos disparos, e “não dezenas, como alega o Hamas”.
Os militares reconheceram, porém, que em pelo menos três casos “trágicos” foram realizados bombardeios de artilharia em áreas próximas aos centros de distribuição, numa tentativa de impedir que palestinos se aproximassem de zonas específicas fora dos centros. Segundo as investigações das Forças Armadas de Israel, o fogo de artilharia nesses episódios foi “impreciso” e resultou em 30 a 40 vítimas palestinas, entre elas vários mortos. Após esses incidentes, acrescentaram, o Exército interrompeu os bombardeios nas imediações.
Apesar disso, os relatos dos soldados ouvidos pelo Haaretz — que mencionaram que “matar inocentes virou rotina” — estão alinhados com depoimentos de civis que testemunharam os eventos, além de especialistas que, com base em vídeos verificados pela imprensa, atestaram o uso de armamentos contra palestinos perto de zonas de distribuição de comida. Até a última sexta-feira, o Ministério da Saúde de Gaza afirmava que 549 pessoas foram mortas e mais de 4 mil ficaram feridas desde 27 de maio, quando a GHF começou a operar.
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Ao contrário das promessas iniciais da fundação, a distribuição de alimentos tem sido caótica, com multidões desesperadas correndo em direção às pilhas de caixas, em um sistema que o chefe da agência das ONU para os refugiados palestinos (UNRWA), Philippe Lazzarini, definiu como “uma abominação”. Apenas no primeiro mês desde a inauguração dos centros — são apenas quatro para todo o território de 2 milhões de pessoas — houve mais de 20 incidentes nas proximidades desses locais, que geralmente abrem por apenas uma hora pela manhã.
— É um campo de extermínio — disse um soldado ao Haaretz. — No local onde eu estava, entre uma e cinco pessoas eram mortas todos os dias. São tratados como força hostil, [mas] sem medidas de controle de multidões, sem gás lacrimogêneo. Apenas fogo real: metralhadoras pesadas, lança-granadas, morteiros. Depois que o centro abre, os tiros cessam e eles podem se aproximar. Nosso modo de comunicação é abrir fogo. Mas não há perigo para as forças. Não conheço um único caso de troca de tiros.
É nesse contexto que mais de 130 organizações de caridade e outras ONGs se mobilizaram para pedir o encerramento da GHF. Em comunicado conjunto emitido nesta terça-feira e assinado por algumas das maiores organizações humanitárias do mundo — entre elas Oxfam, Save the Children e Anistia Internacional —, as instituições afirmam que a fundação viola “todas as normas de atuação humanitária, incluindo forçar dois milhões de pessoas a se deslocarem para zonas superlotadas e militarizadas, onde enfrentam ataques diários”.
“Hoje, os palestinos em Gaza enfrentam uma escolha impossível: morrer de fome ou arriscar serem baleados enquanto tentam desesperadamente conseguir comida para alimentar suas famílias”, diz o comunicado. “Crianças órfãs e seus cuidadores estão entre os mortos, com crianças feridas em mais da metade dos ataques contra civis nesses locais”.
O sistema de ajuda da GHF já foi condenado por agências da ONU. Na sexta-feira, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, declarou que ele é “inseguro por natureza”. Desde o início, a ONU condenou o plano, afirmando que ele iria “militarizar” a ajuda, contornar a rede de distribuição já existente e forçar os habitantes de Gaza a percorrerem longas distâncias por áreas perigosas para obter comida.
Citando “as lições que foram aprendidas”, o Exército anunciou que o centro de ajuda de Tel Sultan será temporariamente fechado enquanto um novo centro de distribuição é construído no local, “a fim de reduzir o atrito com a população e manter a segurança das forças em campo”.
Bombardeio é investigado
Nesta terça-feira, as Forças Armadas de Israel também disseram investigar um bombardeio realizado na segunda-feira contra uma cafeteria na Cidade de Gaza, no norte do enclave, que deixou ao menos 34 mortos. Autoridades israelenses haviam alegado anteriormente que o ataque visava “vários terroristas do Hamas”, mas veículos de imprensa palestinos afirmaram que a área foi atingida sem que o Estado judeu emitisse qualquer aviso de evacuação para os moradores, que costumavam ir ao local para acessar a internet.
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O café al-Baqa, perto do porto da Cidade de Gaza, estava quase cheio no início da tarde quando foi atingido por um míssil, publicou o jornal britânico The Guardian. Entre os mortos, além de muitas mulheres, crianças e idosos, estavam o fotojornalista palestino Ismail Abu Hatab e o artista Frans al-Salmi, que já havia feito uma exposição internacional. A jornalista Bayan Abu Sultan também ficou ferida no ataque.
— Sempre há muita gente nesse lugar, que oferece bebidas, áreas para famílias e acesso à internet — disse à AFP Ahmed al-Nayrab, de 26 anos, que estava por perto quando ouviu uma “enorme explosão”. — Vi pedaços de corpos voando por toda parte, corpos despedaçados e queimados. Foi uma cena arrepiante. Todos gritavam. Os feridos clamavam por socorro, as famílias choravam por seus mortos.
Outras testemunhas relataram ter visto o corpo de uma criança de quatro anos, um idoso com ambas as pernas decepadas e muitos outros com ferimentos graves. Fotografias mostravam poças de sangue e pedaços de carne entre colunas de concreto destruídas e telhados despedaçados, além de uma cratera profunda que sugere o uso de uma arma poderosa por parte de Israel. O porta-voz do Exército israelense afirmou que “antes do ataque, foram tomadas medidas para mitigar o risco de atingir civis”.
Israel intensificou sua ofensiva em Gaza nos últimos dias, com várias ondas de bombardeios aéreos e novas ordens de evacuação que forçaram dezenas de milhares de pessoas a deixarem abrigos improvisados em uma área do norte do território devastado. As ordens alertavam sobre ataques iminentes e instruíam os palestinos a se dirigirem ao sul, para zonas costeiras superlotadas, onde há poucas instalações e abastecimento limitado de água. Cerca de 80% do território agora está coberto por essas ordens ou sob controle israelense.
O conflito mais recente começou quando membros do Hamas lançaram um ataque ao sul de Israel em 7 de outubro de 2023, matando cerca de 1,2 mil pessoas, a maioria civis, e sequestrando cerca de 250. A ofensiva militar subsequente de Israel já matou mais de 56,5 mil palestinos, a maioria civis, desalojou quase toda a população da Faixa de Gaza e reduziu grande parte do território a escombros. (Com AFP) https://sem-paywall.com/http%3A%2F%2Fdlvr.it%2FTLfyXQ