loading . . . Raios-X do iPhone: decomposto em peças, aparelho expõe limites da guerra tarifária de Trump De processadores taiwaneses a lentes chinesas, infográfico do GLOBO mostra a origem dos principais componentes do smartphone da Apple, um produto da globalização O “Made in China" não explica tudo. Para um iPhone chegar às mãos de um consumidor nos Estados Unidos ou no Brasil, mais de uma centena de empresas produzem componentes, muitos de alta tecnologia, em três dezenas de países ao redor do mundo — a maioria deles na Ásia, o alvo inicial da guerra tarifária deflagrada por Donald Trump.
Desde a semana passada, analistas e consultorias vinham estimando o que iria acontecer com o preço do iPhone com as tarifas do presidente americano. Em geral, apontavam que o aparelho poderia dobrar de preço no mercado americano. Caso fosse um dia produzido nos EUA, poderia ficar até três vezes mais caro. Em um novo recuo, no entanto, Trump insentou aparelhos celulares do "tarifaço".
Análise do GLOBO da cadeia produtiva do smartphone mostra por que o iPhone se tornou símbolo dos impactos — e dos limites — da guerra tarifária de Trump.
Impacto viria também o
Antes de chegar aos seus principais mercados, o aparelho que é o carro-chefe da Apple — no último trimestre de 2024, o iPhone respondeu por 55,6% do faturamento da companhia em vendas — ainda precisa ser montado em países como China e Índia. Brasil e Vietnã também produzem o aparelho, mas em menor escala.
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O iPhone não tem sequer as câmeras, hoje capazes de filmarem até em 3D, produzidas integralmente por uma única empresa em um único país. A Sony, responsável pelos sensores, fornece os componentes da Apple a partir de cinco países (Japão, Taiwan, Tailândia, Coreia do Sul e Malásia). Já as lentes, que ajustam o foco e direcionam a luz até o sensor, são produzidas pela Largan Precision, de Taiwan, e pela Sunny Optical, da China.
Pode-se dizer que, nesse intricado sistema de produção globalizado (o terror de Donald Trump), os iPhones têm ao menos os vidros com a etiqueta “Made in U.S.A.", já que o componente é produzido pela americana Corning nos EUA. Ainda assim, a manufatura vai além dos muros do país — acontece também na China, Coreia do Sul e em Taiwan.
Produto que mudou a história da Apple e inaugurou a atual era dos smartphones, o iPhone é um filho da globalização. Em sua décima sexta geração, o celular é também um exemplo simbólico dos limites da guerra tarifária deflagrada por Trump — e do porquê a ideia de uma manufatura americana pode ser distante da realidade.
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O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES, lembra que o sistema de produção global que viabilizou a cadeia e os preços atuais do iPhone não nasceu por acaso — é fruto de quase meio século de construção de uma lógica capitalista centrada na redução de custos e na eficiência produtiva, com ganhos espalhados por diversos países.
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Na avaliação do economista, as tarifas de Trump são uma resposta simplificada a um problema complexo, que inclui as “externalidades” sociais e regionais que a globalização gerou.
—A origem da produção globalizada é capitalista: ter o maior lucro possível. Evidentemente que esse processo, em 40 anos, desenvolveu ganhadores e perdedores.Trump, sem entender como corrigir o sistema sem desmontá-lo, optou por implodir tudo — avalia o economia, que considera que os recuos anunciados pelo governo americano demonstram que até a Casa Branca começa a entender que jogar fora toda essa engrenagem pode significar "dinamitar o mundo”.
80% dos iPhones dos EUA vêm da China
Antes da isenção que "salvou" o preço do iPhone, algumas projeções de analistas apontavam que a guerra de tarifas poderia fazer o preço do iPhone custar o drobo no mercado americano, o principal do aparelho. O banco UBS, por exemplo, estimou que o iPhone 16 Pro Max de 256 GB, montado na China, teria um aumento de US$ 675 (cerca de R$ 4.090).
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Grande alvo do "tarifaço", a China é responsável por 80% da produção de iPhones destinados aos EUA. A Índia responde por quase 20% do fornecimento, segundo dados da Counterpoint. A consultoria avalia que embora a Apple tenha margens de lucro mais altas que as concorrentes — o que poderia amortecer parte do impacto das tarifas — os consumidores americanos tariam que enfrentar aumentos significativos nos preços do aparelho.
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Analista sênior da Counterpoint para América Latina, Tina Lu diz que, embora a Apple já estivesse diversificando a produção final do iPhone para além da China, fabricar em território americano seria caro e pouco realista, com barreiras que incluem a mão de obra cara. O mais provável é que a empresa direcionasse a cadeia final para outros países, como a Índia. O Brasil seria uma opção, não fossem os altos custos envolvidos na produção local.
— O que sabemos com certeza é que a produção de novos modelos de iPhone começa com pelo menos três meses de antecedência. Isso significa que as peças já foram todas compradas pela Apple e a essa altura, tudo já está encomendado, o que significa que a montagem começa em breve. Mudanças na cadeia, portanto, não iriam acontecer exatamente nesse momento — ressalta Lu.
Uma cadeia de 181 fornecedores
Mesmo antes do “tarifaço”, a Apple, além de ampliar a produção na Índia, já sinalizava planos de nacionalizar parte de sua cadeia. Em fevereiro, anunciou a construção de uma nova fábrica em Houston, no Texas, prevista para 2026 e voltada à produção de servidores. A empresa nunca citou planos de fabricar os iPhones nos EUA.
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Uma realocação da cadeia de produção para os Estados Unidos, como deseja Donald Trump, não é simples nem rápida. Exige investimentos pesados, capacidade de financiamento e enfrenta entraves estruturais, como a resistência de sindicatos à automação industrial. Além disso, fábricas americanas nem sempre estão no mesmo nível tecnológico de unidades na Ásia, ressalta Hugo Tadeu, professor e diretor do Núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da Fundação Dom Cabral:
— Mesmo que o telefone fosse montado nos EUA, os componentes continuam vindo de fora. A cadeia produtiva é altamente fragmentada, e é inviável imaginar que todos os fornecedores se desloquem.
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Uma análise do GLOBO feita a partir do relatório de transparência da cadeia de produção da Apple mostra a complexidade da produção. A empresa americana trabalha com uma rede de 181 fornecedores, que operam com fábricas instaladas em 27 países. Muitos produzem componentes em mais de um país.
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A maioria das peças que alimenta a produção de MacBooks, AirPods e iPhones é fabricada Ásia. O relatório de fornecedores da Apple de 2023 mostra que 33% dos locais de produção estão na China, seguidos por Taiwan (10%), Japão (8,9%), Vietnã (7,4%) e Coreia do Sul (7%). Os Estados Unidos respondem por apenas 5% dos pontos de fornecimento listados pela empresa.
Impacto viria também para Brasil
A expectativa entre analistas é de que os preços dos celulares, com as taxações, iriam subir no mundo todo se o plano de Trump fosse mantido - inclusive com efeito para o consumidor brasileir, já que as cadeias de produção e transporte se consolidaram no mundo.
Reinaldo Sakis, diretor da consultoria IDC na América Latina, ressalta que parte dos componentes chineses para smartphones passam pelos Estados Unidos, especialmente pelo porto de Miami, antes de chegarem em outros países, incluindo o Brasil.
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— Isso significa que esses componentes já seriam taxados ali. Ou seja, mesmo para as empresas que produzem no Brasil, há impacto, já que os insumos chegam mais caros e encarecem o produto final — afirma Sakis, lembrando que a cadeia de produção fragmentada agrava riscos inflacionários.— O processador pode vir de Taiwan, a tela da Coreia, a bateria da China. Se cada um desses componentes for taxado ao longo do caminho, o custo do produto final dispara, inclusive para os consumidores brasileiros.
(Com colaboração de Guilherme Queiroz) https://sem-paywall.com/http%3A%2F%2Fdlvr.it%2FTK6t2B