loading . . . Semifinalista do prêmio Jabuti em 2024, escritora suburbana e autista lança novo livro: 'Furada de bolha' “O carro de apolo capotou no horizonte”, título do novo livro de Milena Martins Moura, faz referência a um poema nas últimas páginas da obra — uma alusão a Apolo (deus do Sol na mitologia grega) e à magia da vida, o deslumbre do viver.
— Pensei no sol passando por cima das pessoas e pensando, “ninguém olha para mim” e capotando — explica Milena. — Eu passo uma mensagem tragicômica: “Viver dói, mas é bonito”.
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Este é o quinto livro da autora, de 38 anos, que acaba de voltar da Feira Literária de Paraty (Flip), onde realizou duas sessões de lançamento, na Praça Aberta e na Casa Escreva, Garota. Também participou de uma oficina com o escritor pernambucano Marcelino Freire, de quem é fã desde os tempos da faculdade de Literatura. Foi a terceira passagem de Milena pela feira e a primeira em que viu um livro seu esgotar todos os exemplares.
— Encontrei muita gente que eu só conhecia virtualmente e vi que o meu trabalho está chegando mais longe do que eu imaginava. Um livro meu esgotou! — impressiona-se, feliz.
"O carro de apolo capotou no horizonte", novo livro de Milena Martins Moura
Divulgação
O livro esgotado em questão é o seu anterior, “O cordeiro e os pecados dividindo o pão”. Lançado em 2024, ele foi semifinalista do Prêmio Jabuti naquele ano. A sensação, descreve , ainda é de incredulidade diante da conquista. Para Milena, que tem paralisia do sonho — impossibilidade temporária de se mexer ou falar na transição entre o sono e a vigília — ter chegado neste lugar de destaque ainda parece um “sonho lúcido”.
— Se alguém me dissesse há cinco que eu seria indicada, eu iria rir. Sou de família pobre, nunca saí do ciclo da pobreza e nunca imaginei que um lugar destes seria ocupado por mim, ao lado de grandes escritores. Foi uma furada de bolha e posso me sentir premiada. Essa posição me trouxe bastante visibilidade — afirma.
Milena é suburbana com orgulho. Nascida e criada em Madureira, em uma rua onde “só batia vento quando passava carro”, mudou-se depois para a Pavuna, onde os pais moram até hoje. Atualmente, vive no Cachambi, bairro que adora.
— É um lugar com muros baixos e pouco trânsito. Quando vou ao Leblon, a Copacabana, parece que estou em outro mundo — avalia.
A vivência perto da linha do trem, ao som dos ensaios da Portela e longe da praia, calcou a escrita de Milena. Assim como o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA), que recebeu faz dez anos, quando tinha 28. Ela sempre se achou diferente do que é considerado normal pela sociedade, salienta. Porém, foi lendo um artigo sobre o assunto que soube com certeza o que tinha.
— Parece que todo mundo recebeu um manual, menos a gente. A vida do autista é altamente mascarada, o que nos faz nos sentir em um grande teatro, fazendo cosplay o tempo inteiro — define.
Todas essas vivências dentro da sua pessoa encontraram forma de poesia no livro. Mas ela já adianta que a obra não é autobiográfica. Realidade e ficção se misturam ao falar sobre infância, bullying, cultura e traumas.
A publicação, que é da Macabéa Edições, editora independente de Milena, parte de um projeto estruturado para pensar o processo de escrita por meio do acréscimo de sentido surgido das ausências, como um caderno rasurado, palavras rabiscadas que foram substituídas por outras. Há ainda desenhos pueris, feitos pela própria autora.
— Este livro é uma insanidade da minha cabeça. Tive um grande controle sobre o processo de edição dele e, se não fosse assim, não sairia do papel. A palavra demanda trabalho, e o trabalho tem percalços e dificuldades pelo caminho — reflete.
Apaixonada pelas palavras desde criança, ela comemora a fase prolífica, que inclui um romance e um livro de contos no futuro. Após debutar no universo literário em 2014, Milena enfrentou um hiato de sete anos, atropelada pelas burocracias da vida adulta. A pandemia foi determinante para que retornasse à escrita.
— Autistas gostam de controle e de previsibilidade. Na pandemia, não havia nada disso. Entrei em parafuso e vi que precisava trazer de volta a minha criatividade, aquilo que eu tinha desistido de ter. Retomei a vida nas minhas mãos — afirma. http://dlvr.it/TMSD4Q