loading . . . Quem foi Jorge Machado Moreira, arquiteto que projetou o campus da UFRJ
Jorge Machado Moreira, nasceu em Paris, em 1904, mas foi no Rio de Janeiro que construiu a sua carreira como arquiteto e urbanista. Falecido em 1992, foi um importante expoente da arquitetura modernista no Brasil, e muitas vezes é pouco lembrado. Leia mais Adicionar Link Ele iniciou seus estudos acadêmicos na Escola de Arquitetura de Montevidéu, no Uruguai, mas formou-se em 1932, na Escola Nacional de Belas Artes (Enba), no Rio. À época, a universidade passava por uma reforma modernizadora promovida pelo arquiteto Lúcio Costa, o que influenciou fortemente a sua carreira. "Ele fez parte da primeira geração de arquitetos modernos brasileiros, que estudou na Enba em um momento de conturbada disputa entre os tradicionalistas — em especial o grupo liderado por José Marianno Filho, defensor do neocolonial — e os adeptos do moderno, liderados por Lúcio Costa", conta Abilio Guerra, docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Fachada Norte do edifício Jorge Moreira Machado, no campus da UFRJ, no Rio Rqltst/Wikimedia Commons Membro, em um primeiro momento, do movimento neocolonial, Lúcio Costa ruma para os lados do modernismo em 1930, quando se torna diretor-interventor da Enba por imposição do governo de Getúlio Vargas. "O moderno de Lúcio Costa, que contempla elementos tradicionais – em especial questões construtivas e tipológicas – atende às novas demandas do Estado centralizador de 1930, que impunha à nação a agenda dupla da modernização e do nacionalismo. Jorge Machado Moreira é um participante de primeira hora da vanguarda arquitetônica carioca, que buscava ser, aos moldes propostos por Mário de Andrade, moderna e tradicional", explica Abilio. Detalhes arquitetônicos da parte interna do edifício Jorge Moreira Machado, da UFRJ, no Rio Moisés Pimentel/Divulgação Depois de formado, Jorge assume a direção de arquitetura na Companhia Construtora Baerlein, de 1933 a 1937, construindo edifícios residenciais no Rio. Em 1936, é convidado por Lúcio Costa para integrar a equipe do projeto do Ministério da Educação e Saúde (MES) — atual Palácio Eduardo Capanema —, na capital fluminense, edifício que viria a ser um marco na história da arquitetura moderna brasileira. Lucio Costa também o convida para participar dos estudos da construção do campus da Universidade do Brasil — hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) — , que até então seria erguido na Quinta da Boa da Vista. Os dois importantes projetos para a cidade do Rio contavam com a consultoria do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, outro profissional que inspirou as obras de Jorge. Vista da fachada sul do Palácio Capanema, no centro da cidade do Rio de Janeiro Henrique Liberal/Wikimedia Commons "A obra de Jorge Machado Moreira é marcada principalmente por dois encaminhamentos arquitetônicos: o moderno funcionalista europeu, em especial sua vertente liderada por Le Corbusier; e o moderno brasileiro em seus dois principais ramos, o nativismo de Lúcio Costa e a forma livre de Oscar Niemeyer, presença mais residual", fala o professor da FAU-USP. Conforme explica Abilio, a influência de Le Corbusier na obra de Jorge pode ser vista "na organização funcional de programas complexos, na opção hegemônica pelo volume prismático, no uso constante de pilotis, na presença de artes aplicadas, no uso da cobertura plana e na proteção solar com brise-soleil". Leia mais Adicionar Link De Lúcio Costa, Jorge herdou a constante presença da brasilidade, como fechamentos com elementos vazados e treliçados, aberturas diminutas em paredes expostas ao sol intenso, varandas e balcões aos moldes tradicionais, e integração dos interiores com os jardins formados de plantas nativas. "Um pouco de Oscar Niemeyer se vê nas escadas e rampas sinuosas e em alguns recortes irregulares de lajes", aponta o docente. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira, Jorge é responsável por grandes obras do acervo de construções modernas do Rio, como o Edifício Antônio Ceppas, de 1946, com paisagismo e painéis do paisagista Roberto Burle Marx, localizado no Jardim Botânico. Vista da Cidade Universitária da UFRJ, no Rio, vista a partir da Ilha do Catalão Fábio Caffé/Divulgação Outros dois exemplos são a Residência Sérgio Corrêa da Costa, advogado e diplomata, erguida entre 1951 e 1957, e a Residência Antônio Ceppas, construída de 1951a 1958, que foi premiada na Exposição Internacional de Arquitetura da Bienal Internacional de São Paulo de 1961. Infelizmente, esta última foi demolida em 1980 para a construção de um edifício no local. Em 1962, após sofrer um acidente automobilístico, Jorge afasta-se do trabalho de campo na arquitetura, mas mantém intensa participação em órgãos de classe e comissões públicas, destacando-se como defensor da regulamentação profissional da categoria. Principais obras de Jorge Machado Moreira Jorge foi um dos primeiros arquitetos modernos brasileiros a dominar o programa de um edifício especializado em saúde pública. Nos anos 1940, ele projetou três hospitais: Hospital de Clínicas em Porto Alegre (1942-1952), no RS — o único a ser construído, mas com alterações —, e os Sanatórios de Tuberculose em Petrópolis, no RJ, e em Porto Alegre. Na avaliação do professor, o domínio funcional de programas complexos coloca Jorge ao lado do arquiteto Rino Levi — que projetou edificações hospitalares como o Hospital Israelita Albert Einstein e Hospital Cruzada Pró-Infância, atual Hospital Pérola Byington, ambos em São Paulo. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre foi projetado pelo arquiteto Jorge Moreira Machado Eugenio Hansen/Wikimedia Commons "São arquitetos com grande capacidade de desenvolvimento da concepção geral até o detalhamento de recintos e equipamentos dos projetos. Chamados normalmente de profissionais do ofício, na verdade são arquitetos que concebem seu fazer como a perfeita articulação entre conceber, desenvolver e construir. Em um país onde o improviso é a regra, arquitetos dessa estirpe dignificam a arquitetura, tratada como a arte de construir", analisa. Leia mais Adicionar Link Apesar do pioneirismo neste campo, Jorge é lembrado mais por outras obras, como o MES, no centro do Rio, erguido entre 1937 e 1945. O edifício foi projetado por uma equipe liderada por Lúcio Costa, composta por Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcelos e Jorge Machado Moreira, com a consultoria de Le Corbusier. Painel em azulejos Conchas e Hipocampos, feito por Cândido Portinari para o Palácio Capanema Fábio Caffé/Divulgação "A permanência do arquiteto suíço-francês por quatro semanas no Rio acelerou o amadurecimento dos jovens convocados por Lúcio Costa para compartilhar o desafio. Da equipe de seis arquitetos, ao menos quatro se tornaram protagonistas da escola brasileira de arquitetura moderna: Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy e Jorge Machado Moreira. Pode-se afirmar que todos se tornaram arquitetos modernos de primeira linha no convívio com Le Corbusier durante a elaboração e construção do projeto do MES", detalha o professor. Apesar da importância do projeto para a arquitetura modernista brasileira, em um momento em que qual o Estado tentava passar uma sensação de modernidade ao país, Abilio destaca que a participação de Jorge nesta obra é "na condição de coadjuvante". Recém-restaurado, o edifício com belos jardins suspensos de Burle Marx, foi aberto ao público neste ano. Jardins suspensos do Palácio Capanema, com projeto paisagístico de Roberto Burle Marx Henrique Liberal/Wikimedia Commons Campus da UFRJ: um legado para o Rio Como autor principal, as obras mais significativas de Jorge estão na Ilha do Fundão, na zona norte do Rio. É lá que foi implantado, no final dos anos 1940, o campus da Universidade do Brasil (1949-1962), atual UFRJ. Leia mais Em 1936, Le Corbusier apresentou um esboço para a localização do complexo universitário na Quinta da Boa Vista. Em 1944, no entanto, com a criação do Escritório Técnico da Cidade Universitária da Universidade do Brasil (E.T.U.B), iniciou-se um estudo para verificar qual localização seria mais adequada ao crescimento da capital fluminense. Visão área de parte da Cidade Universitária da UFRJ, na Ilha do Fundão, no Rio Fábio Caffé/Divulgação Segundo artigo publicado no site da UFRJ, depois de inúmeras discussões, E.T.U.B optou, em 1948, pelo projeto de Jorge, que consistia em aterrar nove ilhas e construir a Cidade Universitária no local, em uma área superior a 5 milhões de m². "Coube a Jorge o Plano Geral da Cidade Universitária e os seus edifícios de maior importância. São de sua lavra o Estádio Universitário, de 1953, que não foi construído; a Escola Nacional de Engenharia, de 1956; e o Hospital das Clínicas, de 1957, nunca terminado ou ocupado plenamente, e depois parcialmente implodido", conta Abilio. Este último, chamado de Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, teve a sua ala sul, apelidada de "perna seca", demolida em 2010. Prédio da Escola Politécnica no campus da UFRJ, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro UFRJ/Divulgação No conjunto da UFRJ, os dois edifícios mais relevantes idealizados por Jorge são o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ), o primeiro prédio construído no campus, inaugurado em 1953; e o edifício da Faculdade Nacional de Arquitetura, hoje Edifício Jorge Moreira Machado (JMM), aberto em 1961, atualmente compartilhado com a reitoria e outras escolas da universidade. Com plantas modernas e funcionalistas, porém distintas, os dois edifícios foram premiados na Exposição Internacional de Arquitetura da Bienal Internacional de São Paulo: o primeiro em 1954 e o segundo em 1957. Leia mais Na parte arquitetônica, o IPPMG traz três blocos paralelos unidas por um único volume em uma das extremidades. Para quebrar a rigidez da construção, Jorge inseriu pequenas aberturas quadradas nas grandes paredes brancas horizontais, que flutuam iluminadas pelo sol sobre fileiras de pilotis. A entrada da ala que abriga o banco de leite, que fica no centro dos três edifícios, abriga em seu interior um painel artístico aplicado à parede. "A área do parque infantil está disposta sob uma cobertura de três abóbadas de concreto, fechada em um dos lados por parede em elementos vazados, que permite a ventilação e a melhor ambientação para as brincadeiras infantis", diz o professor. Fachada do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro RodRabelo7/Wikimedia Commons Já no JMM, a opção foi por um prédio de seis pavimentos, elevado por pilotis no térreo para abrigar usos administrativos e atividades didáticas corriqueiras — salas de aula e de professores, secretarias e pequenos ateliês. Leia mais "Os demais usos, que precisam de espacialidades especiais, são mais baixos e se dispõem como anexos na frente, atrás e por debaixo do bloco principal, erguido sobre pilotis de altura dupla", explica o docente. O Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira foi o primeiro prédio construído no campus da UFRJ UFRJ/Divulgação Mais uma vez, para quebrar a severidade dos volumes funcionais, Jorge insere diversos elementos de extrema qualidade plástica na construção. As esquadrias do chão ao teto dos blocos mais baixos abrem vistas exuberantes para as fileiras de pilotis de altura dupla do bloco principal e para o jardim externo, articulando interior e exterior. "O jogo visual de planos ortogonais transparentes culmina na escadaria do anexo de exposições, que tem sua parte inferior invadida pelo jardim, enquanto sua parte superior, onde sobem e descem as pessoas, está fechada lateralmente por dois planos envidraçados. Verdadeira joia da coroa, cita a escada externa que Niemeyer dispôs no Cassino da Pampulha [atual Museu de Arte da Pampulha (MAP), em Belo Horizonte, MG]", aponta Abilio. Leia mais Em comum entre os dois projetos são os jardins idealizados por Burle Marx. O edifício horizontal do IPPMG ganhou ao redor áreas de vegetação com desenho irregular, enquanto no prédio JMM o paisagista optou por um desenho mais livre e natural, com a presença de árvores de copa maior, como o abricó-de-macaco, nas áreas externas e no interior do pátio. Apesar de sua importância histórica, o edifício JMM viveu anos de degradação, intensificada por um incêndio em 2016, cuja recuperação tem se dado de forma lenta e gradual, segundo contam Aline Assis, Petar Vrcibradic, Guilherme Lassance, Lucas Freitas, na mostra Edifício Jorge Machado Moreira – Projeto como instrumento de investigação do patrimônio, exibida na 14ª Bienal Internacional de Arquitetura, em 2025. Jardins internos do edifício Jorge Machado Moreira, no campus da UFRJ, no Rio de Janeiro Ana Marina Coutinho/UFRJ/Divulgação "Ao longo de sua história, o edifício passou por diversas transformações decorrentes das ocupações sucessivas e da falta de manutenção adequada, o que comprometeu tanto sua integridade arquitetônica quanto seu desempenho funcional", descrevem os autores. Em 2022, a reforma do salão localizado no bloco B do edifício, fechado há quase duas décadas, deu vida a uma parte do projeto original de Jorge Machado Moreira nunca integralmente executado. O local, aberto em 2024, recebeu a Biblioteca Integrada da Escola de Belas Artes (EBA), a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), como idealizado inicialmente pelo arquiteto. A biblioteca do Edifício Jorge Machado Moreira é um acervo com materiais sobre arquitetura e urbanismo Divulgação "O resultado preserva a simplicidade compositiva e o caráter moderno do salão, agora equipado para receber acervo, consulta e estudo. Em julho de 2024, pela primeira vez desde a inauguração do JMM, entrou em operação no local uma biblioteca plena, abrigando uma das maiores coleções da América Latina em Arquitetura, Urbanismo, Artes Plásticas e Design", afirmam os autores. As ações integram o Projeto FAU, que trata o próprio edifício como campo de investigação e prática, articulando conservação patrimonial, sustentabilidade e ensino. "Assim, o JMM não apenas recupera sua função institucional, mas se reafirma como instrumento didático, laboratório de arquitetura moderna e espaço de experimentação em sustentabilidade", destacam. https://revistacasaejardim.globo.com/arquitetura/noticia/2025/10/jorge-machado-moreira-arquiteto.ghtml